“QUEM PROPÕE TETO PARA GASTOS PÚBLICOS NÃO TEM COMPROMISSO COM O BRASIL”

Em pronunciamento nesta quarta-feira (19), no plenário, o senador Roberto Requião analisou a PEC 241, já aprovada em primeiro turno na Câmara Federal, que pretende congelar os gastos os públicos por 20 anos, incluindo os investimentos em saúde, educação, habitação popular, saneamento básico, ciência e tecnologia, programas sociais e outros.

-Quem propôs essa PEC não tem a mais elementar idea do que seja o relacionamento fundamentalmente articulado entre o orçamento público e o conjunto da economia”, disse o senador. Segundo ele, esse congelamento vai afetar todo o conjunto atividades, agravando ainda mais a recessão e o desemprego.

A seguir, vídeo e texto com o pronunciamento do senador Roberto Requião.

A Proposta de Emenda Constitucional 241, que se tornou conhecida nacionalmente como a PEC-241, reflete o absoluto distanciamento da tecnocracia neoliberal que decidiu impô-la ao Congresso Nacional, e em particular ao Senado da República, da realidade crua da cidadania brasileira. Não falo apenas de números. Falo de conceitos. Quem propôs essa PEC não tem a mais elementar ideia do que seja o relacionamento fundamentalmente articulado entre orçamento público e o conjunto da economia. Em uma palavra, entre o gasto público e o crescimento da economia.

Na realidade, recorrendo a uma metáfora realista, o orçamento público é como o coração no corpo humano: dele saem as energias centrais que põem todos os órgãos e membros em movimento.  Impedir o coração de injetar permanentemente sangue novo no corpo é condenar o corpo a ser consumido aos poucos pela gangrena. Isso está acima de ideologias. São fatos. Seja estado máximo ou estado mínimo, é o estado, através do orçamento, o único agente, por exemplo, que, numa recessão, pode fazer aumentar a demanda efetiva e o investimento, inclusive privado.

Sabemos disso pela economia keynesiana. Foi sob inspiração de Keynes que os países ocidentais viveram o que se consagrou como a Idade de Ouro do capitalismo no pós-guerra. Nela o estado, através do orçamento, desempenhou papel da mais absoluta centralidade. Em alguns países, como os do norte europeu, de elevadíssima condição de bem-estar social, o orçamento público – ou seja, os impostos – alcançou mais de 60% do PIB, ou seja, praticamente o dobro daquilo que a Fiesp reclama como excesso. A partir dos anos 80, regrediu na Europa o papel do Estado e prosperou a especulação financeira estéril.

A PEC-241 traz evidentes ameaças ao custeio de funções essenciais do Estado, mas, do ponto de vista econômico, ela consegue ser ainda mais prejudicial. Os investimentos públicos serão virtualmente extintos no plano federal. Com eles, suas articulações estaduais e municipais sofrerão consequências inevitáveis. Quando o estado elimina, por exemplo, o aumento do investimento em construção habitacional ele está congelando imediatamente parte ou todo o investimento em materiais de construção, de cimento, madeira, móveis a tijolo, nos estados federados e nos municípios.

Espanta-me, senhoras e senhores senadores, que uma iniciativa de caráter tão grotesco possa ser trazida para discussão no Senado Federal em plena depressão econômica, a maior da história da República. Esqueçamos por um momento o interesse público mais geral. Falemos dos interesses das populações dos estados federados, ou dos municípios. Aqui neste plenário há muitos senadores e senadoras que aspiram, legitimamente, governar os seus estados. Ai deles. Se a PEC-241 passar não governarão a não ser um espólio endividado e condenado à estagnação.

Não creio, sinceramente, que haja uma inteligência coerente por trás desta e de outras iniciativas do governo relacionadas com os estados federados. A renegociação das dívidas nos termos propostos é uma farsa. Falarei sobre ela oportunamente. Também é uma farsa o projeto de privatização da parte já negociada da dívida ativa dos estados, na medida em que estimula o deságio sobre supostos ganhos atuais e subtrai impostos certos que seriam recolhidos, sem deságio, por administrações futuras. Mais uma vez, jogando o presente contra o futuro.

Não entendo a lógica dessas e de outras propostas. Na verdade, elas assinalam a ausência de plano, de estratégia e definição de objetivos coerentes pelo governo. Numa palavra, com o impeachment, saímos de um governo fraco para governo nenhum, ou para um governo desarranjado e mutilado. Aparentemente, o único objetivo deste governo é se manter no poder, a qualquer custo. E mesmo isso é uma dúvida, na medida em que há claras fissuras nos partidos que haviam se comprometido a lhe dar sustentação. Alguns claramente estão dando sinais de cansaço, exceto na Câmara de Eduardo Cunha.

Peço às senhoras  e senhores senadores que reflitam detidamente sobre a PEC-241. Ela não serve para o Brasil. Consultem especialistas independentes, cidadãos imparciais, pessoas comprometidas realmente com os interesses nacionais. Todos lhes dirão que ela não serve para o Brasil e para nenhum outro país no mundo, em especial países em desenvolvimento, que precisam desesperadamente de investimentos públicos. Os que propuseram essa PEC-241 ao Executivo, fazendo com que ela fosse aprovada na Câmara, não tem compromissos com o Brasil. O Senado, numa plataforma suprapartidária, deve dizer isso à Nação.