O senador Roberto Requião apresentou, nesta sexta-feira, no plenário, projeto de lei que dá regras republicanas ao tratamento dispensado às autoridades. Veja aqui a proposta:
PROJETO DE LEI DO SENADO No DE 2017
Estabelece normas sobre o tratamento protocolar escrito e oral, destinado ou referente aos detentores de cargos públicos.
Art. 1o. No conteúdo de correspondências destinadas ao serviço público, fica proibido o uso de pronomes de tratamento, excepcionada a palavra Senhor, e suas derivações de gênero e número, que será utilizada quando o destinatário for:
I – nos órgãos dos Poderes Executivos,
- a) Presidente da República;
- b) Vice-Presidente da República;
- c) Ministros de Estado;
- d) Governadores e Vice-Governadores de Estado e do DistritoFederal;
- e) Oficiais-Generais das Forças Armadas;
- f) Embaixadores;
- g) Secretários-Executivos de Ministérios e demais ocupantes decargos de natureza especial;
- h) Secretários de Estado dos Governos Estaduais;
- i) Prefeitos Municipais;
- j) Oficiais-Coronéis de Polícia e do Corpo de Bombeiros;
- k) Delegados de Polícia.
II – nos órgãos dos Poderes Legislativos: a) Deputados Federais e Senadores;
b) Ministros do Tribunal de Contas da União;
c) Deputados Estaduais e Distritais;
d) Conselheiros dos Tribunais de Contas Estaduais; e e) Presidentes das Câmaras Legislativas Municipais.
- III – nos órgãos dos Poderes Judiciários:
- a) Ministros dos Tribunais Superiores;
- b) Desembargadores ou Juízes de Tribunais;
- c) Juízes de direito, do trabalho ou federais; e
- d) Auditores da Justiça Militar;
- IV – os membros de Ministérios Públicos federais e estaduais, bem
como das Defensorias Públicas.
Art. 2o Nos casos dos cargos descritos no art. 1o, a descrição do destinatário nas correspondências será composta apenas pela palavra “Senhor”, ou suas derivações, seguida do nome do cargo.
Art. 3o Nas correspondências destinadas aos demais detentores de cargos públicos, o pronome de tratamento a ser utilizado na descrição do destinatário será apenas a palavra “Senhor” e suas derivações.
Art. 4o Em qualquer correspondência, o vocativo será sempre a expressão “Prezado Senhor” e suas derivações.
Art. 5o Em qualquer alusão oral destinada aos detentores de cargos públicos deverão ser utilizadas as seguintes normas:
I – quando destinada às autoridades elencadas no art. 1o, será utilizado apenas o nome do cargo como vocativo, e “Senhor” e suas derivações como pronome de tratamento;
II – quando destinada aos demais detentores de cargo público, deverá ser utilizada a palavra “você” ou “tu”, excetuados os casos de respeito em razão de idade, em que se admite-se o uso da palavra “Senhor”; e
III – os professores, em todos os seus níveis, deverão ser tratados por “senhor” e suas derivações.
Art. 6o As normas previstas na presente Lei:
I – aplicam-se igualmente a qualquer texto oficial, ainda que não
caracterizado como correspondência.
II – devem ser observadas por qualquer autoridade remetente, independentemente de sua posição hierárquica em relação ao destinatário.
Art. 7o Qualquer cidadão está autorizado a, querendo:
I – utilizar o vocativo “você” ou “tu” quando dirigir-se a qualquer
detentor de cargo público; e
II – não usar qualquer pronome de tratamento, quando fizer referência aos detentores de cargos públicos.
Art. 8o Qualquer desrespeito ou exigência, expressos ou velados, contra os direitos do cidadão, incluindo os servidores públicos, previstos nesta Lei configura crime de injúria discriminatória, punível com a pena prevista no art. 140, § 3o do Código Penal.
Art. 9o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA
A essência do estado democrático reside exatamente no fato de que o poder pertence ao povo e não ao governante.
Nele, o governante, o legislador e o juiz, assim como o servidor público de carreira, têm uma função a exercer e essa deve ser exercida em benéfico do povo.
Assim, o conceito de povo revestes-se, no estado democrático, de uma autoridade superior à do próprio governante, que exerce (ou deveria exercer) um papel, “latu senso”, de servo, ou servidor, desse mesmo povo.
Feitas essa considerações, verifica-se incabíveis em uma democracia a continuidade de tratamento procotolar herdado da monarquia, derrubada que foi há mais de 120 anos.
Na democracia, todos são iguais, ou, pelo menos, deveriam ser. Dai por que o grande Ruy Barbosa, enaltecendo a pátria republicana, afirmou em célebre poema: “A pátria não é ninguém, são todos. É cada qual tem no seio dela o mesmo direito, a ideia, a palavra e a associação”.
Ter essa “mesma palavra” e “mesmo direito” configura algo que somente se concretiza quando todos recebem o mesmo tratamento que, além de respeitoso, deve demonstrar a quebra das distâncias interpessoais que configuravam o paradigma monárquico, onde o rei concedia títulos nobiliárquicos a seus bajuladores.
O costume ampliar as distinções humanas conflita não apenas com a democracia, mas também com os mais basilares princípios do cristianismo, que constitui o pensamento religioso predominante no Brasil e que alça todos, indistintamente, a certa posição de irmãos, na medida em que oferta a todos o grau de filhos de um só Pai, ou seja, de um só Deus.
Todavia, essas distinções humanas ainda permeiam de forma abusiva as relações entre povo e governantes, achando-se esses imbuídos de certo direito de serem chamados de excelências ou de outros pronomes de tratamento incompatíveis com a igualdade de todos perante a lei.
Pergunto, o que há de excelente em um juiz ou parlamentar? Antes de serem autoridades, são seres humanos e, como servidores públicos, são devedores ao povo da obrigação de lhes prestar serviço e com qualidade.
E, em suas funções, não têm o direito de reivindicar do povo um tratamento majestoso.
Reserva-lhes somente um direito protocolar: o de ser respeitado. Respeito, porém, é algo que se conquista e decorre, primeiro, do cumprimento do dever de se respeitar o próximo; segundo, das demais virtudes.
Se, por um lado, o título majestoso não confere virtude a ninguém (ainda que assim queiram os ditadores), por outro lado, exigir dos demais um tratamento diferenciado demonstra a falta de virtudes daquele que o exige.
Na proposta que hora apresento quero evidenciar para o cidadão mais simples que ele não é menor do que o presidente da República. A propósito, a maior das inafastáveis realidades é que a morte revela a verdadeira igualdade de todos. Ela nos leva a todos para a humilhante redução a cinzas ou ossos integrados.
E o que nós somos? Nada além, como disse Fernando Pessoa, de meros cadáveres adiados. Portanto, como estamos todos mortos – já que isso é só uma questão de tempo – não temos qualquer razão concreta pra exigirmos tratamentos majestosos que em nada dignifica a humanidade.
Nesse contexto, creio que, quando Lula chamou a procuradora da república de “querida”, deu um bom exemplo de cordialidade e respeito que deveriam permear as relações humanas.
É possível, porém, que ela não fosse do tipo de desejasse ser “querida”, mas que fosse do tipo Que prefere ser chamada de excelência.
Vaidade das vaidades. Tudo é vaidade, como afirmava Salomão. Mas a verdadeira excelência de um ser humano revela-se antes de tudo por meio de sua humildade.