SENADOR REQUIÃO FALA AO “DIARINHO” SOBRE A CRISE POLÍTICA, CRITICA DURAMENTE O GOLPE E PEDE DIRETAS JÁ
Leia e assista à entrevista do senador Roberto Requião ao jornal Diarinho, jornal diário da região de Itajaí e Balneário Camboriú (litoral norte de Santa Catarina), também publicado na TV Diarinho, canal do Youtube do periódico. Nessa entrevista o senador Requião fala da atual conjuntura e sobre as saídas para a crise. Confira:
Ele é voz dissonante no Congresso Nacional. Fazia duras críticas à política econômica do governo Dilma Rousseff (PT), mas foi energicamente contra o impeachment, ao qual qualifica de golpe. Chegou a usar a palavra “canalhas”, repetidamente três vezes, no discurso que fez para os colegas do Senado no dia da votação do impedimento da presidente. Roberto Requião, aos quase 80 anos, é um patrimônio da política brasileira. Mas não se engane pela idade. Tem a energia de um jovem. É um político de esquerda, como ele mesmo se qualifica, mas antes de tudo um homem nacionalista e republicano.
Nesta entrevista aos jornalistas Sandro Silva e Samara Toth Vieira, o filiado número 1 do PMDB do Paraná dá uma aula de política, economia e geopolítica internacional. Destila duras críticas ao colega de partido, Michel Temer. Pela lucidez de Roberto Requião e pela conjuntura política, no momento em que o atual presidente corre o risco de também perder o mandato num turbilhão de sucessivos escândalos, o Entrevistão está sendo publicado, excepcionalmente, com quatro páginas, duas a mais que as edições convencionais. Boa leitura!
Assista ao vídeo:
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Idade: 76 anos
Natural: Curitiba (PR)
Estado civil: Casado
Filhos: Dois filhos
Formação: Direito pela Universidade Federal do Paraná, jornalismo pela PUC e Urbanismo pela Fundação Getúlio Vargas
Experiências políticas: Prefeito de Curitiba, deputado estadual no Paraná, governador do Paraná três vezes e senador da República exercendo o segundo mandato. Sempre no MDB/PMDB. Fundador da Frente Parlamentar Nacionalista. Em 2010 foi pré-candidato à presidência da República, propondo chapa pura do PMDB.
“Acho que a Lava Jato tem que ser aprofundada, mas não pode ser como foi até hoje, manejada pelos Estados Unidos e pela mídia”
“Eu quero é colaborar com a recuperação do país num projeto nacional e socialmente justo”
“Guerra Civil pode ocorrer com o fim das garantias sociais. O brasileiro não vai se conformar em perder conquistas que vieram ao longo da história da humanidade ocidental e da própria história do país”
“A reforma da Previdência mente dizendo que está quebrada para entregá-la aos banqueiros”
“A eleição direta deixa o povo se manifestar. É a única forma da democracia ser praticada”
DIARINHO – O senhor foi uma das primeiras vozes a se posicionar contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT), que classificou de golpe. Assumiu Michel Temer, que é do seu partido, o PMDB, e o senhor novamente é um dos pioneiros na batalha pelas Diretas Já. Como explica essa posição que vai contra a direção do seu partido, mais uma vez?
Senador Roberto Requião – A primeira explicação é que eu sou brasileiro. Sou brasileiro e sou de esquerda. Não sou de direita. A direita é o egoísmo, o individualismo. A esquerda é o amor, a solidariedade e a empatia com a sociedade. Eu fui o maior crítico ao governo da Dilma. Eu era a única oposição no Senado ao governo da Dilma. Porque eu nunca concordei com a política econômica. E assim como eu me opus à política do Lula com o Meirelles, que é representante da ‘banca’. Ele [Henrique Meirelles, então presidente do Banco Central na era Lula] era presidente da associação de Bancos Estrangeiros no Brasil. E depois com o Joaquim Levi, que foi o ministro da Fazenda da Dilma. Escolhas simplesmente inadequadas para um projeto de nação brasileira. Mas a Dilma fez um acordo conosco de convocar eleições gerais no Brasil se o impeachment não passasse. E eu sabia o que significava a proposta ‘Ponte para o futuro’ [plano econômico do presidente Michel Temer] feita pelos bancos e não pelo partido, que é uma proposta de extrema direita num mundo que não aceita mais o liberalismo econômico. Nós estamos com uma asneira de um projeto econômico no Brasil, com a proposta do fim da nação, consenso de Washington, dependentismo, isso num momento em que o mundo rejeita isso. Rejeitou na Inglaterra! Acabou com a Grécia! A Itália derrubou um ministro que queria fazer uma mudança constitucional para entregar a economia pros bancos. E a Espanha não consegue montar um governo estável há um ano e meio. O único país que está conseguindo alguma coisa de sinal de saída para essa crise é Portugal, que está com um governo socialista. Portugal abandonou a austeridade fiscal, aumentou o salário dos aposentados, aumentou o salário mínimo e está fazendo investimentos públicos. O mundo já saiu de crises piores do que essa. Eu diria a você: o Roosevelt [Presidente norte-americano entre 1901 a 1909] saiu da crise diminuindo a carga horária e aumentando o salário mínimo, com grandes investimentos públicos. E a Alemanha saiu da crise, com a ‘nova política alemã’, liberal à época. Era ministro da Economia o Hjalmar Schacht [década de 1930], que era liberal e no governo se transformou num alemão. Começou cortando juros da rolagem da dívida. Criou uma moeda ‘não-moeda’ que significava o seguinte: numa associação com grandes empresas alemãs, abriu-se a possibilidade de investimentos em infraestrutura, com isso acabou com o lucro estéril da rolagem da dívida e garantiu uma rentabilidade para grandes projetos, recuperando a economia a partir de investimentos do Estado. Nos Estados Unidos foi a mesma coisa. Depois tudo isso foi disciplinado e organizado pelo [John Maynard Keynes, pensador e economista inglês que estudou as crises cíclicas do capitalismo]. Mas surgiu de uma proposta do Ford e do Taylor [Henry Ford, industrial fundador da Ford, e Frederik Taylor, engenheiro mecânico, que criaram a linha de produção na indústria Ford]. O que é o que Taylor dizia? Taylor dizia que só aumentava a produtividade no país com a especialização do trabalho. Ford pegou a ideia da especialização e jogou numa linha de montagem. Com isso ele acelerou de forma brutal a produção na Ford americana. O Roosevelt quis condecorar o Ford e ele não aceitou a condecoração. “Você vai me condecorar enquanto eu estou quebrando a economia americana”, ele disse. E o Roosevelt pergunta o motivo. “Porque essa produtividade tá sendo copiada pelas empresas industriais alemãs. Estamos aumentando uma produtividade e não tem consumo. Nós vamos explodir”, respondeu. E o presidente pergunta: “Então, o que eu faço?”. “Você diminui a carga horária e aumenta os salários e depois disso faça grandes investimentos públicos”, sugeriu Ford. Exatamente o contrário do que esse pessoal tá fazendo no Brasil hoje e já estava fazendo no governo do PT.
DIARINHO – Na geopolítica internacional a quem interessa essa desestabilização interna que o Brasil vive? Quem ganha com isso?
Senador Requião– Ganha o capital financeiro! É a globalização através da prevalência absoluta do capital financeiro. Eles querem o Brasil como produtor de commodities, como o grande celeiro do mundo. Commodities, produção mineral e agrícola. E, ao mesmo tempo, o Temer acena com a venda, sem limites, de terras brasileiras para estrangeiros. Com intensidade tecnológica e mecanização, nós vamos aumentar nossa produção, que já é boa. Mas nós vamos desempregar. Eles querem um Brasil desindustrializado e produtor de commodities. Isso vai provocar um desemprego tão grande, que eles pretendem solucionar com o aviltamento do trabalho, fim das garantias trabalhistas, trabalho semi-escravizado, como aconteceu na China. Só que a China saía de uma estrutura de Idade Média e o brasileiro já conheceu os benefícios da legislação trabalhista e dos direitos sociais e não vai aceitar isso. Então nós estamos jogando o país numa crise social brutal. E temos saída. E as saídas são conhecidas nas experiências norte-americana e alemã.
DIARINHO – A reforma Trabalhista passa no Congresso?
Senador Requião– A reforma Trabalhista pode passar, porque o congresso, é um congresso de patrões. A câmara votou essa reforma com 230 e poucos votos; 198 eram patrões. Esses patrões, sem entender que a economia só aumenta se tiver consumo e consumo só tem com salário e com emprego, não entendem como é que você pode estimular o país. Acham que podem resolver crise escravizando o trabalho. É uma coisa de um egoísmo, de um individualismo, de uma burrice sem limites. A reforma da Previdência já ‘subiu no telhado’. Porque mesmo o pequeno patrão, o pequeno empresário, quer se aposentar um dia. E a reforma da Previdência mente dizendo que a Previdência está quebrada para entregá-la aos banqueiros e para eliminar a possibilidade de uma aposentadoria com a previdência pública. Essa vai ser rejeitada.
DIARINHO – O senhor foi escolhido presidente da Frente Parlamentar Nacionalista. Qual o seu trabalho nessa frente?
Senador Requião– Bom, é uma defesa da soberania brasileira, de um projeto nacional. É a defesa da Petrobras, a defesa das conquistas sociais. É uma frente democrática, popular e nacionalista. E a democracia, o nacionalismo e o popular se confundem. São mais ou menos a mesma coisa. É a defesa do povo brasileiro e da soberania do país.
DIARINHO – O papel das grandes mídias de minar o PT, como se fosse o único responsável pela corrupção, ajudou nesse ambiente que a gente vive hoje. Principalmente, quando se vende o modelo supostamente ideal de gestor ‘apolítico’. O senhor já enfrentou um ambiente hostil da grande imprensa no Paraná. Como que a longo prazo seria possível resolver esse problema de oposição de grupos de mídia que, muitas vezes, têm interesses econômicos que não necessariamente são os melhores para o conjunto da população?
Senador Requião– Uma das soluções é a democratização. É a liberação, por exemplo, da comunicação pelas rádios comunitárias e pela variedade de órgãos de comunicação da sociedade. Acabar com essas licitações dos grandes meios de comunicação por parte do estado, e admitir os consórcios de pequenos divulgadores somando a sua capacidade de comunicação para participarem dessa mídia pública. Na verdade, a grande mídia brasileira está subordinada ao capital financeiro numa visão ideológica do liberalismo econômico e do fim do estado nacional. E isso tem outros caminhos. É o caminho da mudança política e econômica. [E as concessões das grandes redes de TV, por exemplo?] Eu acho que tem que estabelecer regras. Por exemplo, o direito de resposta, que é um projeto meu que foi aprovado. Já muda um pouco isso. Mas a Dilma vetou a essência do direito de resposta, que era a possibilidade do ofendido falar diretamente no órgão da imprensa. Então, o jornal Nacional faz uma canalhice e o sujeito vai lá, põe a sua cara e com a sua expressão, a sua capacidade de comunicação e a sinceridade da resposta. Hoje, não. ‘Você’ deu uma resposta e o locutor, com ‘caras & bocas’, ridiculariza a sua posição no Direito de Resposta. Direito de Resposta é um instrumento. Outro instrumento é o fim do monopólio. Que não é nem uma questão de comunicação. É mais um problema de combate ao monopólio do ponto de vista comercial mesmo.
DIARINHO – Há uma polarização naquela história do ‘coxinha’ e do ‘mortadela’. Muita gente tem medo das eleições diretas achando que seria uma forma de beneficiar o PT. Como mobilizar as pessoas num projeto de nação, independente da ideologia do ‘coxinha’ e do ‘mortadela’?
Senador Requião– Quem tem medo de eleição direta é quem está ligado aos dominadores econômicos da sociedade. A eleição direta deixa o povo se manifestar. Pode ser uma escolha boa, pode ser uma escolha ruim. Será corrigida por outra eleição. Mas é a única forma da democracia ser praticada.
DIARINHO – Com essas hostilidades que se vê, em especial nas redes sociais, inclusive com o fomento ao ódio ideológico e a minorias como negros e homossexuais, é possível que isso venha a gerar conflitos sociais e até uma possível guerra civil?
Senador Requião– Guerra civil pode ocorrer com o fim das garantias sociais que o país está vivendo. O brasileiro não vai se conformar em perder conquistas que foram feitas ao longo da história da humanidade ocidental e da própria história do país. O Brasil já conheceu o getulismo, a CLT, as garantias sociais. O governo do PT, com todos os seus erros econômicos, viabilizou uma inclusão impressionante, levando uma parte da população ao mercado de consumo, ao mercado de trabalho. O brasileiro já se acostumou a comer três vezes por dia. Coisa que não acontecia. Você veja, nós nesse período do governo Lula, com todos os erros econômicos, de não criar uma infraestrutura sustentável no Brasil, não ocorreram mais assaltos a supermercados no nordeste e no interior dos estados. Aumentou o salário mínimo, aumentaram as bolsas compensatórias. O povo não vai aceitar essa regressão. É uma ilusão dessa canalhada.
DIARINHO – O senhor se negou a corroborar a anunciada solidariedade de seu partido a Michel Temer, depois de reveladas as gravações da JBS. Como o senhor transita no seu partido com esse posicionamento? O senhor já não foi ameaçado de expulsão ou o velho Manda Brasa ainda existe no PMDB?
Senador Requião– O partido existe. A base do partido não tem nada que ver com a corrupção parlamentar desse sistema político. O Temer merece o direito de defesa e o devido processo legal. Agora, a minha posição não diz respeito exclusivamente nas denúncias. O Temer tá propondo a desnacionalização do Brasil, o fim da soberania. Ele tá, de uma forma aberta, aderindo ao consenso de Washington, que é transformar o Brasil num produtor de matérias-primas, de commodities, com empregos de segunda categoria, sem qualquer industrialização. Ele entregou o petróleo! Querem privatizar e entregar a água! Querem privatizar empresas de saneamento básico! E o imbecil que dirige a Petrobras, outro dia, no Rio Grande do Sul, quando reclamaram que estava acabando com a indústria naval e liquidando empregos, ele diz: “A Petrobras agora não tem nada a ver com política pública; eu me reporto só ao mercado e aos acionistas”. Isso é uma estupidez! País algum consegue viver, soberanamente e com justiça social, sem utilizar o seu petróleo, tendo o petróleo. Vocês imaginem esse ‘atleta’ que dirige a Petrobras dirigindo a Cedae [Companhia Estadual de Águas e Esgotos], no Rio de Janeiro, que é uma empresa de água e 99% propriedade pública. O povo dizendo “queremos ampliar o saneamento e a produção de água tratada” e ele: “Não, nós queremos o lucro dos nossos acionistas, não temos nada com política pública”. Isso é de uma irracionalidade absoluta. Isso não pode existir. Essa visão liberal da economia não existe no planeta Terra. A Califórnia usou isso no sistema de energia. Você lembra o que aconteceu? O apagão! Passaram a beneficiar o lucro do acionista, não investiram mais e a Califórnia apagou de uma hora para outra.
DIARINHO – O senhor já criticou os métodos do juiz Moro e foi relator da Lei de Abuso de Autoridade, aprovada recentemente pelo Senado. Há críticas dizendo que a lei pode engessar o combate à corrupção. O senhor já explicou que a lei de Abuso de Autoridade não pune só juízes e promotores, mas qualquer agente público que agir contra a lei. Apesar das boas intenções, essa lei pode também ser usada por políticos que, não necessariamente, têm interesses republicanos? Por exemplo, o Aécio Neves foi grampeado fazendo lobby com o Gilmar Mendes para a aprovação da lei…
Senador Roberto Requião– A lei do Abuso de Autoridade se refere a qualquer autoridade política. Se refere ao agente de renda do seu município lá em Santa Catarina, ao agente de renda do estado, à polícia, ao fiscal do tesouro. Qualquer agente público que esteja se utilizando do seu cargo para pressionar um cidadão ou diminuir os direitos civis de uma pessoa, está sujeito. E, como qualquer lei, ela foi aprovada no Senado e na comissão de Constituição e Justiça, por unanimidade, com apoio de pessoas sérias e apoio também de pessoas que tinham medo de, de repente, por terem o rabo preso e culpa, nesse processo de corrupção, serem presas arbitrariamente sem direito de defesa. O direito de defesa é dado até a um criminoso. Porque você não pode julgá-lo a partir da convicção do juiz. Muitas vezes, as pessoas são processadas e depois se descobre que são inocentes. Porque uma convicção não pode levar a uma condenação. Então, eu acho que o Aécio votou comigo porque estava com medo de ter uma prisão provisória ou uma condução coercitiva. Mas a maioria votou porque considerava importante livrar a população brasileira da arbitrariedade de uma agente comum, que pode ser um juiz, pode ser um promotor, pode ser qualquer outro agente público. [A lei é maior que esse clima da Lava Jato?] Muito maior. E ela não tem nada a ver com a Lava Jato. E eu, inclusive, fui o primeiro parlamentar a elogiar a Lava Jato. Até porque eu conheço bem o Sérgio Moro. Já trabalhou paralelamente com meu governo aqui, em algumas questões interessantes. Ele foi o juiz que julgou a denúncia da CC5 [Escândalo que envolveu executivos do banco Banestado, que enviaram dinheiro ilegalmente para os Estados Unidos], da conta de brasileiros não residentes no Brasil e que, por sinal, é cinco vezes maior que o “Petrolão”. E muito pouca gente foi condenada. Chegou a 130 bilhões de dólares esse rombo. [Por que pouca gente foi condenada?] Porque caiu uma parte na justiça do Paraná, as conexões das pessoas muito ricas com o poder judiciário, com o ministério Público e com a polícia impediram isso. O Moro radicalizou a partir dali. Acho até que se frustrou por não ter conseguido fazer. Aí tentou conseguir o apoio da mídia. Só que ele não percebeu que a mídia brasileira está a serviço de interesses que não são os dos brasileiros. Então a Lava Jato, que é maravilhosa pois estancou a corrupção no processo político e na administração pública do Brasil, acaba sendo manejada por interesses que pretendem acabar com a soberania nacional, escravizar o trabalho e nos submeter de uma forma dependente a poderes econômicos. Eu sou a favor da punição de todos! Agora, sou contra qualquer tipo de arbitrariedade. Senão, um juiz do interior pode brigar com um vizinho e no dia seguinte mandar prender. Ou o promotor. Não tem cabimento isso. Nós temos regras. E o Estado de Direito se submete a essas regras. Agora, ladrão é na cadeia.
DIARINHO – A lei do Abuso de Autoridade tem uma pretensão republicana. O Judiciário brasileiro é republicano?
Senador Requião– Não! O judiciário brasileiro… Veja bem, o nosso comandante do Exército, general Villas Bôas, fez uma palestra na Uniceub [Centro Universitário de Brasília], outro dia, que achei muito interessante. Em 1980, o Brasil produzia industrialmente mais do que a Tailândia, a Malásia, a Coreia do Sul e a China. Eram os Tigres Asiáticos. Hoje nós não produzimos 15% do que produz um deles, a China. Por quê? Porque nós entramos na guerra fria, nós nos submetemos a uma disputa ideológica entre o liberalismo norte-americano e seus interesses econômicos e a Rússia. E não existe mais isso. A Rússia viu fracassar seu modelo soviético. Mas hoje nós estamos prestes a entrar em outra guerra fria, que é a geopolítica. É o interesse de potências no mundo de mesmo regime econômico. E nós perderemos qualquer perspectiva de soberania, de construção de a nação, nesse quadro. Acho que esse é o problema básico. Nós temos que ter um projeto nacional, um projeto de poder. E o Judiciário, nessa guerra fria, ideologicamente, acabou se submetendo, com o bombardeio da imprensa, do ensino, das escolas, toda a propaganda no cinema, há uma visão de submissão ao liberalismo econômico que, na verdade, não é liberalismo algum. É o jogo dos interesses das potências financeiramente mais poderosas e de grupos econômicos. Então, o Judiciário, o Ministério Público, acabaram se atrelando a essa ideia. Fui governador do Paraná com um governo popular e eu senti o peso desse preconceito. [Do Judiciário?] Do Judiciário, do Ministério Público, da mídia. De todos.
DIARINHO – Um dos casos escandalosos da Lava Jato e que remete diretamente ao Paraná, é o do “homem da mala” dos supostos R$ 500 mil do Temer, o Rodrigo Rocha Loures. O pai dele foi presidente da Federação das Indústrias do Paraná [FIEP] e o senhor contratou Rodrigo, na época, como seu chefe de gabinete. Dizem que o senhor foi um dos mentores da carreira política dele. Isso é verdade?
Senador Requião– Diria que talvez se possa interpretar dessa maneira. Ele era ex-presidente do diretório acadêmico da fundação Getúlio Vargas, pertencia a uma família muito séria e tinha um comportamento muito bom. Enquanto trabalhou comigo foi exemplar. Jamais vi um deslize, uma tentativa de se aproveitar do cargo público, uma vantagem pessoal. Mas ele saiu e foi trabalhar com o Temer, com o Padilha, com o Moreira Franco… e quem mais? Com o Jucá, aquele pessoal todo. E deu no que deu. Eu quero ver essa coisa toda revelada. Mas pra mim foi uma surpresa extremamente sofrida e desagradável. E quando eu vi na televisão o Rodriguinho, como a gente o chamava, correndo da pizzaria Camelo com uma mala na mão, eu imaginei: “não, ele tá meio deslumbrado com o Dória lá em São Paulo e foi comprar uma pizza e não quer que esfrie e tá levando pro Dória pra comer quente”. Mas não era… Eram R$ 500 mil! Um horror isso! Fiz um requerimento para convocar o Rodrigo na comissão de economia do Senado. E vou convocar também aquele promotor, que era um dos principais, senão o principal auxiliar do ministério Público do Janot, que abandonou a carreira, toda a sua carreira, suas vantagens, que é uma carreira extremamente vantajosa e muito bem paga, pra se transformar no dia seguinte no advogado do Joesley Batista, da JBS, e no escritório que é o mentor dessa delação premiada. Então essa coisa tá muito mal explicada.
DIARINHO – Temer, apesar de ter traído Dilma, foi historicamente aliado das últimas décadas. Lula explicou a aliança afirmando que foi a forma de conseguir a famosa governabilidade. O senhor concorda que essa é a única forma de se governar no Brasil? É preciso esse governo de coalizão?
Senador Requião– Eu fui governador do Paraná três vezes. Não fiz coalização com ninguém. [Chapa pura?] Não, eu tive participação de quadros de outros partidos no governo, mas eu nunca deliberei uma emenda parlamentar, eu nunca permiti que nomeassem secretários. Eu tinha um programa de governo e as pessoas podiam trabalhar comigo dentro do programa. A Assembleia Legislativa não tinha emendas e não nomeava ninguém, mas ela aprovava um programa de construção de escolas e se podia ir para o interior e dizer: “olha, nós aprovamos esse programa, isso veio também pela nossa mão”. Eu não acho absolutamente necessária essa fisiologia e esse tráfico. Isso é um erro básico! Nós precisamos é de um projeto e jamais alianças com grupos financeiros e econômicos. Esse foi o erro básico e era o motivo ao qual eu me opunha ao governo do PT. Aquela época a gente não tinha nem notícia da profundidade dessa corrupção toda, mas eu me opunha em função de que o programa econômico [do governo Lula] não era o programa mais importante para o país.
DIARINHO – Que críticas o senhor faz aos governos do PT, historicamente destacados por suas políticas sociais, mas que acabaram atolados em parecidas denúncias de corrupção. Onde Lula e Dilma erraram?
Senador Requião– Condução da economia e aliança com o capital financeiro. O Lula dizia que “precisava um governo socialista” e não era socialista. Mas ele dizia assim. O capital e os banqueiros tiveram o lucro extraordinário que tiveram. E o que eu via? Era um programa social-democrata, de certa maneira. O que é que é a social-democracia? A social-democracia é o partido político que é a correia de transmissão do sindicalismo na política e no governo, se isso for possível. O Lula negociava benefícios para os trabalhadores, mas ao mesmo tempo ele nunca questionou o domínio do capital. O capital mandou no governo do PT. E essa aliança deu no que deu.
DIARINHO – Há uma PEC tramitando no Senado e outra na Câmara prevendo eleições Diretas este ano. Qual a sua aposta? Passam nas duas casas ou em apenas uma delas?
Senador Requião– Ela já passou na comissão de Constituição e Justiça [CCJ] do Senado. Vai passar no plenário também.
DIARINHO – Senador, numa eventual eleição direta, quem o senhor apoiaria hoje?
Senador Requião– Eu apoio o programa. Essa história de quem apoiaria não dá… Governo não é concurso de miss. Por exemplo, entre você e você [aponta para os jornalistas], se fosse para miss votaria em você [risos], mas se fosse para presidente, eu gostaria de conhecer o programa de cada um de vocês antes de votar…
DIARINHO – E já existem forças se formando em grupos específicos?
Senador Requião– Não. Eu acho que nós estamos sem projeto. Tanto que nós estamos montando uma frente parlamentar mista do Senado e da Câmara, uma frente nacionalista, para defender os interesses do país. Dia 21 [junho] vai ser lançada em Brasília.
DIARINHO – Mas se a eleição for este ano, tem pouco tempo para que formem essas forças…
Senador Requião– Tem pouco tempo. Eu acho que o que vai acontecer é que uma eleição tem que abrir esse jogo. Você acredita que alguém se elegeria dizendo que vai acabar com os direitos do trabalho? Você acredita que alguém se elegeria dizendo que vai privatizar a previdência e tirar a capacidade de aposentadoria de um povo inteiro? Você acredita que alguém pode se eleger entregando a Petrobras para as sete irmãs [Companhias petrolíferas] que dominam o petróleo no mundo? Você acredita que alguém se elege entregando a base [Militar] de Alcântara, no Maranhão para os EUA? Você acredita que alguém se elege propondo privatizar a água, o petróleo, e acabar com os direitos sociais? Acabar com a proposta de um Brasil soberano entrando no consenso de Washington e transformando nosso país numa república dependente e de segunda categoria, como se fosse um Porto Rico? A direita perde a eleição!
DIARINHO – Qual seria o programa ideal hoje?
Senador Requião– Um programa nacionalista, anticíclico, com políticas de investimento público, políticas de aumento de salário, desenvolvimento e emprego, de defesa da indústria nacional, com financiamento para que nossos empresários possam crescer. E não a sua venda a capitais estrangeiros. [Há como fugir, mesmo numa situação isolada nacionalista, da crise mundial cíclica do capitalismo?] Claro que há! Você veja o que fez o Obama [Barack Obama, presidente dos EUA de 2009 a 2017, durante o aprofundamento da crise econômica no país]. Investiu dinheiro público. Desde o início da crise ele investiu um trilhão e 500 bilhões de dólares até a economia se recuperar. Ele estatizou a General Motors [fábrica de carros] para os Estados Unidos não perderem emprego. O que é a que a besta do Trump [Donald Trump, atual presidente] tá fazendo? Além de algumas asneiras racistas e absurdas, tá defendendo o emprego dentro dos Estados Unidos. E quem não fez isso quebrou. Como a Grécia, que se submeteu ao capital alemão, na Europa. A Itália, que derrubou um primeiro ministro num plebiscito. A Espanha que não consegue montar um governo. E aí tem o pequeno Portugal, com o partido socialista no poder. Aumentou salário, aumentou a pensão dos aposentados, tá fazendo investimentos públicos e é o único que tá saindo da crise. Com uma política anticíclica, que é a política que tirou os Estados Unidos e a Alemanha de uma crise semelhante a essa nos anos 30.
DIARINHO – E se surgir no Brasil um projeto nacionalista de direita, que traz no conjunto um discurso conservador no que diz respeito a liberdades individuais, preconceituoso, xenófobo, parecido com o do Trump?
Senador Requião– Isso é estupidez! Por isso, é que nós que temos essa visão solidária, temos que encarar esse projeto. Nacionalismo não é xenofobia! Nacionalismo não é o horror ao estrangeiro, que é a xenofobia. [Mas o senhor não sente esse risco no Brasil de hoje?] O risco existe, de o projeto nacionalista acabar sendo o da direita. Por isso ele tem que ser um projeto de uma visão solidária. Se não for nosso, pode ser o do Bolsonaro [Jair Bolsonaro, militar da reserva e deputado federal durante 26 anos, defensor da ditadura e da prática de torturas como instrumento lícito das forças de segurança, acusado de ter posições homofóbicas e machistas].
DIARINHO – Há o risco de se repetir o que houve na Alemanha, pouco antes da Segunda Guerra Mundial?
Senador Requião Pode se repetir. Os Estados Unidos vive isso. Mas o que é que aconteceu nos Estados Unidos? Os Estados Unidos foi investir na China, que tava saindo da Idade Média, em termos de relações de trabalho, e ofereceu empregos aos chineses. O cara aceitava esse emprego porque ele iria poder comer um pouco melhor e talvez ainda trouxesse o jantar para a família. Mas sem nenhum direito trabalhista. Isso ocasionou uma queda do nível do emprego do norte-americano. Famílias americanas, que tinham os filhos e que eram formados nas universidades, deixaram de conseguir pagar a universidade. Por que o terceiro grau nos Estados Unidos é privado. Então começou uma regressão e um desemprego. Daí se somaram ideias idiotas de xenofobia. Por exemplo, o Trump chamava, a nós brasileiros, os latino-americanos, de “porcos latinos”. Ele tem horror ao negro. Tem horror aos estrangeiros. Isso tudo se somou. O Brexit da Inglaterra [saída do país da União Europeia] foi um pouco isso. A parte do capital inglês que não quis se submeter ao capital alemão, mas um pouco também pelo racismo. A Inglaterra miscigenada, a Inglaterra dos imigrantes, lá do seu império, que é Londres, votou contra a saída. Mas a Inglaterra do interior votou a favor. Foi uma tentativa de se libertar do capital alemão, mas veio com tudo isso que você levantou. Trouxe o componente racista, a xenofobia. Então, eu acho, que essa apropriação nacional tem que ser tomada por setores progressistas, que respeitem as mulheres, o trabalho, as minorias, os direitos sociais. E é isso que o capital quer evitar no mundo. O capital tá se reorganizando contra o Estado Social. E o que é o Estado Aocial? É o que respeita as mulheres, o trabalho, a sustentabilidade. E o capital se baseia num tripé de regressos. O primeiro é a precarização do Estado, com a prevalência de um banco central independente na mão dos capitalistas, rentistas e donos do capital financeiro. O segundo apoio desse tripé é a precarização do parlamento por financiamento privado. Não existem mais partidos, existem financiadores de campanha. E quando a Lava Jato saiu da mão da ‘República de Curitiba’, você viu que tava PSDB, DEM e todo mundo envolvido em corrupção. Que não era um problema petista. Porque se estava combatendo o petismo não pela corrupção que existia, mas porque havia um viés progressista, nacionalista e social no partido. Então eles utilizaram a bandeira da corrupção para combater uma visão nacionalista e progressista socialmente. Hoje você vê que isso atingiu todos os partidos. E só conseguiram pegar o Joesley e os outros partidos quando saiu da mão desse pessoal daqui [Lava Jato em Curitiba]. Então eu sou a favor da punição, sou a favor da Lava Jato, sou rigorosamente contra o arbítrio, as coisas fora do limite legal. Acho que a Lava Jato tem que ser aprofundada, tem que continuar, mas não pode ser como foi até hoje, manejada pelos Estados Unidos e pela mídia.
DIARINHO – O senhor seria um dos presidenciáveis?
SeNador Requião– Eu acho que até pode ser. Mas não é o meu objeto. Eu estou com 76 anos de idade. Eu quero é colaborar com a recuperação do país num projeto nacional e socialmente justo. Se isso acontecer, eu participo do pleito. Eu estou na política. Não vou dizer para você que não estou. Fui governador três vezes, senador duas vezes, prefeito da capital [Curitiba], deputado estadual. Mas não é esse o meu objetivo. O meu objetivo é influir na melhoria das relações econômicas e sociais do país. Se isso acontecer [candidatura à presidente], é um acidente de percurso.