MICHEL TEMER AFIRMA QUE PMDB NÃO QUER MAIS O PAPEL DE ‘NOIVA PREFERIDA’
Entrevista ao Jornal Folha de S.Paulo – 30 de maio de 2015
Brasília (DF) – Articulador político do Palácio do Planalto, o vice-presidente Michel Temer (SP) admite que o governo cometeu “equívocos” no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, mas pede um ano de “compreensão” à população para que as medidas de correção da política econômica tenham resultado.
“O grande problema é quando você não confessa o equívoco”, disse em entrevista à Folha na sexta-feira (29), um dia após a aprovação pelo Congresso das medidas provisórias do ajuste fiscal. “Mas eu sou governo e estou reconhecendo os equívocos”.
Entre eles, Temer cita as chamadas pedaladas fiscais, o uso de bancos públicos para pagar despesas do Tesouro e arrumar as contas do governo. “Mais um equívoco, que tem de ser confessado”, disse, ressalvando que foram praticadas também pelos antecessores de Dilma.
Prestes a completar dois meses como articulador das relações com o Congresso, Temer diz que passou a dormir cerca de quatro horas por noite para dar conta da função.
O cansaço dos últimos dias, recompensado segundo ele pela aprovação das medidas provisórias do ajuste fiscal, causou uma raridade. Atrasou-se para a entrevista com a Folha, depois de passar a madrugada assistindo a filmes. Um deles de nome sugestivo: “Relatos Selvagens”.
Temer, que na semana passada deu um ultimato a setores do governo que estavam “trabalhando contra” o ajuste, relata sua conversa com Dilma sobre o episódio.
“Disse: a sra. vai viajar [para o México], mas eu não quero ser responsabilizado porque sinto um titubeio do governo em relação às medidas do ajuste”, acrescentando que a presidente disse confiar nele e o prestigiou, o que, afirma, deu resultado porque o pacote passou no Congresso.
Temer diz ainda que “havia certa razão” nas queixas de que o PT não queria partilhar poder, afirma que se os acertos feitos por ele não forem cumpridos “perde sentido” sua permanência no posto e avisa que o PMDB, do qual é presidente, cansou do papel de “noiva preferida” nas eleições presidenciais e terá candidato próprio em 2018.
A seguir, leia a entrevista que ele concedeu em seu escritório em São Paulo.
Folha de S.Paulo – Qual a situação que o sr. encontrou ao assumir a articulação política do governo?
Michel Temer – Assumi essa posição em face do pleito da presidente. Eu senti que não poderia recusar, sob pena de entenderem que eu não queria colaborar. Assumi com muita preocupação, porque havia, sem culpa de ninguém, uma certa desarticulação.
Folha de S.Paulo – Certa?
Michel Temer – É, “certa” é por conta do meu estilo [risos]. E “sem culpa de ninguém” também fica por conta do seu estilo… Assim que eu assumi, comecei a fazer as coisas mais triviais em matérias de articulação política, que é manter contato mais estreito com o Congresso Nacional.
Folha de S.Paulo – Estavam faltando coisas triviais?
Michel Temer – É uma questão de estilo.
Folha de S.Paulo – Da presidente?
Michel Temer – Não. Ela não pode a toda hora estar fazendo contatos com parlamentares líderes. É curioso que, &a grave;s vezes, sem uma razão específica, por isso que eu falei certa desarticulação, cria-se um clima de distanciamento. O que eu fiz foi reaproximar a base e até a oposição, às vezes, dos assuntos de interesse do governo. Passei a fazer uma distinção frugal entre as coisas de interesse do governo e as coisas de interesse do Estado brasileiro.
Folha de S.Paulo – Se tivesse que adjetivar a situação da articulação política qua ndo chegou, qual usaria?
Michel Temer – [Risos]. Acho que seria o de “uma certa desarticulação”, embora tenha havido muito esforço p ara resolver. Criou-se um clima, digamos assim, de certa competição entre a Câmara e o governo, particularmente na eleição do presidente Câmara, Eduardo Cunha [PMDB-RJ].
Folha de S.Paulo – Um mal-estar porque o governo se envolveu…
Michel Temer – Houve um mal-estar. Isso dificultou a relação com o presidente eleito da Câmara, Eduardo Cunha. Porque su postamente algumas pessoas do governo teriam se envolvido [para derrotá-lo]. Essas coisas todas foram desarticulando a relação.
Folha de S.Paulo – E a queixa de que o PT não queria partilhar poder…
Michel Temer – Acho que havia uma certa razão [na queixa], porque esse depoimento vinha de vários partidos. A mim, [essa preponderância] não me assusta, porque o PT ganhou as eleições com a cabeça de chapa. Mas, no caso do PMDB, que muitas vezes é acusado de fisiológico, também ganhou essa eleição, trabalhou por essa eleição. Quando o PMDB queria maior participação, era nessa convicção de que também havia ganhado a eleição.
Folha de S.Paulo – Não é fisiologismo, é o modelo de coalizão política?
Michel Temer – É preciso mudar os costumes políticos no país. É o tipo da coisa que não agrada a ni nguém. Fui presidente da Câmara três vezes e quando eu olhava [de sua mesa para o plenário, em dias de sessão], eu verificava que, de um lado, aqueles que hoje estão na situação praticam os atos daqueles que estavam na oposição no passado e vice versa. Isso é uma inversão dos costumes políticos.
Folha de S.Paulo – Pode exemplificar?
Michel Temer – Fator previdenciário. Os que eram a favor e criaram, hoje são contra. Os que hoje sustentam, eram contra. Não quero nem nominar os partidos.
Folha de S.Paulo – Existe hoje um certo desencanto do eleitor, que não se sente representado nem pelo Congress o nem pelo governo.
Michel Temer – Concordo. Daqui a três anos tem-se a oportunidade democrática de modificar inteiramente. Se o sujeito voto u em fulano para deputado e ele não satisfaz, o engano é do eleitor. Claro que essa afirmação vai gerar muitas cartas para a Folha [risos]. Se a gente não tiver coragem de começar a lidar com conceitos você não muda os costumes.
Folha de S.Paulo – Quem elegeu a presidente Dilma também está insatisfeito.
Michel Temer – Há uma decepção, ao meu ver equivocada. O governo vive o influxo das questões internacionai s. Nós já estamos passando por crises seguidas desde 2008, e hoje a crise também é vigorosa nos Estados europeus. Todos eles, eu estive recentemente lá, me dizem que estão com desemprego em dois dígitos e aqui, não. E está tomando providências.
Esse chamado ajuste econômico, fiscal, visa a recuperar a economia. Isso não elimina a ideia da decepção com o governo. O povo tem que aguardar essas decisões do ajuste, verificar como a economia e a política se comportam até o fim do ano para depois fazer uma avaliação definitiva.
Folha de S.Paulo – É um pedido de trégua?
Michel Temer – Estou pedindo compreensão.
Folha de S.Paulo – Mas a frustração é porque se vendeu um país na campanha e depois ele d esapareceu.
Michel Temer – Desapareceu em face das dificuldades econômicas, não nos seus programas. Os programas sociais continuam. N ão houve abalo aí.
Folha de S.Paulo – Houve. Mudanças no Fies, no Pronatec, Minha Casa, Minha Vida, PAC…
Michel Temer – Houve mudança de rumo, não eliminação. Muitas vezes tem que reprogramar a economia. Porque pode haver alguns equívocos, e não se pode negar os equívocos. O grande problema é quando você não confessa o equívoco.
Folha de S.Paulo – Mas o governo é acusado de não admitir os erros.
Michel Temer – Mas eu sou governo e estou reconhecendo os equívocos.
Folha de S.Paulo – E quais são eles?
Michel Temer – No final do governo, começou a haver problemas de natureza econômica. Mas eles só vieram à l uz depois que nós tomamos posse. Não significa que houve uma falsidade durante as eleições.
Folha de S.Paulo – O sr. acha que as pedaladas fiscais foram um equívoco?
Michel Temer – As pedaladas fiscais, a primeira notícia que eu tenho, não é justificativa, sempre se verificaram em todos os governos. Em segundo lugar, foi para estabelecer uma certa credibilidade do governo.
Folha de S.Paulo – Mas tirou…
Michel Temer – Mais um equívoco, que tem que ser confessado. Fruto dos costumes políticos do país.
Folha de S.Paulo – Como é lidar com a distribuição de cargos no segundo escalão ent re os partidos aliados?
Michel Temer – Não há distribuição de cargos. O que há na democracia é a participaç&a tilde;o no governo. Quem é que deve participar? Aqueles que apoiam o governo. Às vezes dizem que o PMDB quer cargos. Eu brinco que se um dia o PMDB chegar à Presidência da República, para não sermos acusados de fisiológicos, nós não vamos indicar ninguém. Nem ministro, nem autarquias…
O problema disso é quando um partido se vale de chantagem. O fisiologismo não vem pela simples indicação, mas pela prática de toma-lá-dá-cá. E todos os partidos fazem no Congresso.